Esquecer ou perdoar?!

Depois de três dias buscando uma palavra, ou uma imagem para o mirante, venho conversar sobre o perdão. Nos meus primeiros meses de ministério, abri o Entre-Rios Jornal, da cidade de Três Rios/RJ e encontrei um artigo intitulado “Perdoar é esquecer”. Aquilo me incomodou tanto que escrevi uma resposta à redação. Essa resposta nunca foi publicada...

Como na vida somos sempre confrontados com situações que nos levam a perdoar ou não, proponho essa conversa:

O que primeiro me vem à mente é que a falta de perdão ou o ressentimento realmente paralisa as forças criativas da pessoa. A sensibilidade ferida constrói uma espécie de muro que impede a reconciliação. Outras vezes é o orgulho que faz pressão, agravando o mal recebido e acentuando o rancor. A postura dos que sofrem alguma agressão, traição ou ofensa é sempre de dor. Uma dor que se multiplica como uma febre após o ataque de um animal. Sente-se a dor da mordida e sente-se a febre depois do acontecido.

No artigo que li em 2006 o autor afirmava que “o perdão genuíno deve nascer de um esforço em se esquecer as recordações tristes derivadas da ofensa original.” Poderia ser uma receita para perdoar, mas aí vem a minha pergunta: Perdoar é esquecer?

Vejo aqui uma confusão de idéias. O que ouço muitas vezes é: Perdôo, mas não esqueço.

Pode ser que o não esquecer seja um meio de alimentar o mal recebido numa forma masoquista de cultivar a “febre”. Porém, o não esquecer pode significar também a incapacidade de esquecimento, mesmo que esse seja o desejo mais profundo e mais autêntico da pessoa.

O perdão, falando sob o olhar da antropologia teológica, depende essencialmente de um ato de vontade (PRETTO, E. A teologia tem algo a dizer a respeito do ser humano? São Paulo. Paulus. 2003. p.92). É suficiente que a pessoa queira perdoar com toda sinceridade para que o perdão de fato aconteça. O querer já é um ato de libertação. Já o lembrar da situação não depende do querer da pessoa. Lembramos de muitas coisas que nem sabíamos que estavam guardadas.

Costumo comparar a ofensa recebida com um golpe violento que nos fere a carne. Este trauma leva tempo para cicatrizar. A dor continua até que tudo esteja seco e recomposto, porém a cicatriz continua ali e será uma lembrança por muito tempo, senão por toda a vida. A cicatriz fica, a dor não!

A lembrança não deve, necessariamente, trazer a dor. O fato de alguém lembrar, mesmo que com sensibilidade, o mal recebido, não quer dizer que a pessoa não foi capaz de perdoar ou recusou o gesto de perdão. Temos nessa situação um indício dos limites da condição humana.

É difícil para nós, homens e mulheres, compreendermos a radicalidade do perdão. O perdão é na verdade um ato de recriação da vida. Para os que têm fé em um Deus criador, é preciso reconhecer que só Ele tem um agir criativo. Em outras palavras, somente ele é capaz de perdoar, porque somente ele é capaz de recriar a vida.

O perdão, que todo ser humano está convidado a conceder, é participação nesse poder soberano de Deus. Sempre afirmo aos meus irmãos e irmãs nas conversas de aconselhamento que nós, por nós mesmos, não conseguimos perdoar. Precisamos da graça ou do dom de Deus. Necessitamos desta intervenção criativa e gratuita de Deus para nos ensinar a perdoar e nos fazer participantes na recriação da vida e dos relacionamentos. Neste gesto tão difícil e, ao mesmo tempo, tão necessário, participamos do poder criador de Deus.

Querendo perdoar, apostamos sempre na recriação da pessoa, apostamos sempre em sua regeneração e na possibilidade de recomeçar. Isso é um gesto de amor. Deus é Amor (I Jo 4,8) e somos chamados a viver esse amor em todas as situações, somos chamados a viver esse amor até pelos não amigos (Mt 5,43-48).

Uma das mais conhecidas narrativas bíblicas, a do dilúvio, termina com um sinal de aliança entre Deus, que quer o bem da humanidade, e os homens, com uma chance de recomeçar. Essa foto quer nos lembrar o sinal da aliança.

Comentários

  1. Que texto bonito! Nunca havia pensado no perdão dessa maneira. Sempre achava tb que se não esquecia é pq verdadeiramente não perdoava. Agora concordo com você: lembrar ou esquecer não está em nosso controle. Adorei seu blog e vou ler sempre.
    Bjsssssssss

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  2. EXERCITANDO O PERDÃO: Lembrar é fácil para quem não tem memória, esquecer é difícil para quem tem coração.(Willian Shakespeare.) Aqui no sítio temos no Perdão uma palavra de aprofundamento, pois todos que aqui chegam estão atolados até o pescoço em situações ligadas ao perdão. Esquecer algo como forma de perdoar é absolutamente impossível, pois como foi citado a cicatriz esta ali, é o verdadeiro ferro de marca, que usamos na boiada, esta para sempre marcado no corpo e na alma. Mas aí esta o grande lance da história, a AÇÃO DO AMOR DE DEUS,NOS ENSINA A VERDADEIRAMENTE PERDOAR, ESSA AÇÃO DO AMOR DE DEUS É UMA DAS PORTAS DE ENTRADA PARA A MISERICÓRDIA, AÍ O ESQUECIMENTO É DEUS QUE TE FAZ ESQUECER, POIS EM SUA MISERICÓRDIA NOS ALIVIA, E A ÚNICA FORMA DE PENSAR EM CHEGAR LÁ, É DIA A DIA EXERCITAR O PERDÃO, PARA QUE O MAL NÃO CRESÇA E A FERIDA NÃO SE ABRA OU QUE CORTE NÃO SEJA PROFUNDO. AMÉM

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  3. Nossa, Anselmo... Esse texto caiu como uma luva para o que estou passando. Vi uma passagem na bíblia falando sobre o perdão e o amor... Está em Lucas, 7 e, se não me engano, versículo 36 ao 50... Não tenho certeza. Diz sobre a pessoa amar mais a quem a perdoou... =)
    Sei lá. Deve saber mais que eu... haha.
    =*

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  4. Marcio Bitencourt23 fevereiro, 2012 17:24

    Muito bom...meu amigo...um dia ainda vou escrever palavras com conteúdos tão interessantes que mexem com nossa alma e nos faz pensar o porque de nossa existência aqui na terra...ESQUECER OU PERDOAR?...Parabéns pelo texto..adorei..sabias palavras

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  5. A principio eu não conseguia perdoar a mim mesma por erros cometidos.Após aconselhamentos consegui me perdoar.Consegui ver que Deus nos perdoa,basta que tenhamos a intenção de nos arrepender.Este texto me fez voltar e rever posicionamentos.Obrigada pela bela catequese.Deus o ilumine e abençõe Pe Anselmo.

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