O que melhor sei fazer



Há pouco tempo ouvi um conto sobre dois vizinhos, amigos de outrora que se tornaram inimigos. Viviam separados por um rio, que na verdade nunca fora dificuldade para que convivessem ou celebrassem as vitórias  e alegrias. O rio que separava as suas propriedades nunca fora motivo para que se distanciassem e não se apoiassem nas derrotas e tristezas.
Mas, em se tratando de ser humano, tudo é possível. Por uma palavra mal dita, uma ação incompreendida, um silêncio reprovador, seja lá o que for, somos capazes de criar muros intransponíveis.

Assim aconteceu com nossos amigos deste conto. Já não se permitiam mais a comunicação aberta, já não queriam mais a presença, já não somavam mais cumplicidade.
O rio que, desde a infância de ambos, era fonte de diversão, essencial para alimentação, inspiração para o repouso, agora era o obstáculo quase perfeito. Podia impedir que o seu contrário chegasse ao outro lado. Quase perfeito, pois ainda permitia que se olhasse, que buscassem na mesma fonte a água para a vida, o alimento cotidiano. O rio ainda brindava aos dois o mesmo burburinho, tranquilo e pacificador, das águas correndo entre as pedras. "Isso não é possível!" dizia o coração fechado e ameaçado pela possibilidade de ceder aos apelos da maturidade, do bom senso, da vontade de perdoar. Ou quem sabe, de simplesmente ouvir a versão do outro, entender que não foi com má intenção, ou que, afinal, somos todos humanos com telhados de vidro.

Um dos vizinho teve a coragem para dar o basta. Contratou um pedreiro para construir um muro.
Seria o ponto final dessa história de desencontro. A segurança do muro evitaria os incômodos de ver o "outro" pescar, nadar, celebrar a vida, do outro lado do rio. A parede de pedras poria um fim no desejo de aproximar-se e reconciliar-se. Nunca mais o exercício da humildade, do diálogo e da compreensão seriam necessários. Finalmente, com aquele muro, o homem poderia estar livre...
O pedreiro chegou, as ordens foram dadas e mãos à obra. O dono da empreitada preferiu ausentar-se para não sentir-se incomodado. Saiu mas deixou a expressa ordem de que o muro fosse alto e seguro, para que não precisasse ver, ouvir ou sentir o que se passava do outro lado.
Ao retornar, a obra estava feita. Uma ponte magnífica cobria o rio. As pedras eram as bases ideais para aquela construção. Os arcos eram perfeitos, o caminho plano. 

Indignado, o senhor que contratara o pedreiro se aproximou. A cada passo ele já não podia controlar seus sentimentos, pois aquela construção ressaltava a beleza do rio que ultimamente ele já não olhava, já não escutava, já não sentia. O rio estava alí, cheio de vida.

O obreiro adiantou-se e disse ao patrão: "Sei que não foi essa a sua ordem. O senhor não precisa me pagar. Sou construtor de pontes e não de muros. Não podia ir contra aquilo que melhor sei fazer."
Como se não bastasse, do outro lado do rio, estava o vizinho, o antigo amigo, aquele que pescava junto, dividia a água e o frescor do rio.
Do outro lado da ponte estava o amigo e dizia em voz alta, em tom festivo. "Obrigado, amigo, por mandar construir essa ponte. Eu sabia que você estava pensando em algo para facilitar a nossa convivência. Já estamos velhos e não temos a mesma força para remar. Nossa infância está distante e já não nos metemos n'água a nadar. Os peixes já não são fartos como em outros tempos. Mas você, amigo, sempre preocupado comigo."

Do lado de cá, tomado por uma grande surpresa, aquele que contratara o pedreiro não sabia o que fazer ao ver seu vizinho cruzar a ponte em direção a sua casa. Seu amigo estava envelhecido, com passos lentos, mas com um sorriso e os braços abertos.
Enquanto cruzava a fabulosa ponte, passo a passo, o vizinho de lá dizia ainda: "Eu vinha te observando há muito tempo. Sabia que o seu silêncio não era gratuito. Alguma coisa boa você estava criando e, por isso, não quis incomodar. Respeitei o seu silêncio até que você mandou construir essa ponte para que pudéssemos nos encontrar. Nesta hora tive a certeza, você realmente é um grande amigo."

Paremos a história por aqui, pois já me estendi demais. Não sou bom contador de "causos"! Deixo a conclusão para você e junto deixo a foto de uma ponte. Essa é de Tordesilhas, na Espanha. Prá que construir muros se podemos abrir caminhos?

Comentários

  1. Querido Pe. Anselmo, grande reflexão seu texto nos traz...
    Com certeza, precisamos construir mais pontes!!!!
    Grande abraço,
    Fabíola Carla

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  2. O que aprendi nessa história é que Deus transforma até atitudes más que trazemos no coração em atitudes boas!DEus o abençoe Pe.Anselmo!

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  3. Beth Costa (Barra Mansa RJ)21 julho, 2011 17:38

    Olá Pe. Anselmo!!!...
    Eu acho que estou me repetindo, não sei se consegui enviar o q escrevi, se "sim", favor apagar esse, ok???rsrrss...
    Sumi né?...estava do lado de cá da margem, quieta, a preguiça o desânimo na "segurança do lar" até animar a ligar essa ponte e ver que esse texto que me fez ver o outro lado da margem...ACORDA MENINA!!!...acorda para o mundo, para Deus!!!...
    Obrigado!...o Sr. sempre nos dando umas sacudidas né?
    Que o Deus que habita em mim, esteja com o Sr tb.

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  4. Como e dificil atravessar essa ponte qdo na outra margem me espera o silencio?Albina

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